Primeiramente, pela sua definição clássica, burocracia é uma forma de organização ou estrutura organizativa caracterizada por regras e procedimentos conhecidos por seus agentes.
Mais do que isso, uma burocracia é composta por divisão de responsabilidades, divisão do trabalho segundo especialização, além da formação de hierarquias que podem ser mais verticais ou horizontais.
Burocracia e o princípio da impessoalidade
Uma das características mais importantes que definem estruturas burocráticas é a impessoalidade.
Burocracias se organizam em torno de regularidades e mecanismos específicos. Esses mecanismos precisam funcionar de acordo com uma organicidade definida diante de muitas variáveis.
Dessa maneira, eles são necessários para que o funcionamento de uma organização burocraticamente organizada dependa mais de suas estruturas internas, regras e conjuntos de relações do que a vontade unilateral de algum de seus agentes.
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os princípios definem a forma pela qual os servidores públicos devem agir quando da execução de suas atividades
A necessidade de organizações burocráticas
Historicamente, quanto maior e mais complexa for uma organização, maior e mais complexa tende a ser a sua estrutura burocrática.
Isso é necessário para que essas mesmas organizações reproduzam suas ações, relações e formas de funcionamento de maneira mais ajustada ao mundo real. Ou seja, com todas as suas nuances e complicações corriqueiras e humanas.
Parece difícil o entendimento? Veja mais explicações abaixo!
Como as organizações reproduzem as suas relações?
Ainda que exista certa conotação pejorativa bastante disseminada no termo, ou mesmo um uso político significativo dessa demonização da burocracia – por exemplo, dos ideólogos do “estado mínimo”, que a associam com lentidão nas tomadas de decisão e entendem uma “desburocratização” como um bem em si – é pouco provável que qualquer ser humano consiga conceber o mundo sem qualquer forma organizativa que precise de uma burocracia.
Empresas, igrejas, estados, organizações sociais, partidos, agremiações, clubes, ou praticamente qualquer forma de organização coletiva mais ampla e complexa que um ambiente doméstico possuirá uma burocracia que tenderá a se complexificar na medida em que vier a crescer.
Do contrário, o que poderá acontecer é a própria organização não conseguir reproduzir regularmente suas relações e ela própria ruir.
Um exemplo prático: relações nos serviços públicos de saúde
Imaginemos um cenário em que num serviço público de saúde a burocracia necessária para a marcação de uma consulta seja eliminada. Aqui, nada de agendas, secretárias ou secretários!
Nessa situação, são eliminados todos os procedimentos que fazem a mediação entre os profissionais de saúde e seus pacientes.
Os lados seriam obrigados a lidarem com a questão do atendimento de maneira direta.
Logo, na impossibilidade de atender a todas as pessoas interessadas ao mesmo tempo e de maneira organizada, os profissionais de saúde precisariam estipular critérios próprios e particulares.
Meu atendimento, minhas regras!
Sem regras, fundamentais em qualquer burocracia, esses critérios poderiam ser subjetivos – como favorecimentos pessoais, por exemplo.
Além disso, o próprio atendimento poderia ser problemático. Isto é, caso não houvesse uma divisão adequada de tarefas e trabalhos, protocolos e métodos pré-estabelecidos a serem a adotados antes, durante e depois de toda a operação.
Os exemplos poderiam se multiplicar aqui.
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nos Estados Unidos o atendimento privado é o mais caro do mundo, não existindo serviço móvel de urgência como aqui no Brasil
Mas é importante lembrar que muito do que chamamos de “corrupção” acontece no processo de uso de mecanismos – força do dinheiro, influência pessoal, etc. – para se chegar a determinados fins.
Nesses casos, ignoram-se as regras estabelecidas por determinadas organizações, aquelas formadoras de suas burocracias.
Max Weber: um importante estudioso da burocracia
Max Weber, importante sociólogo alemão, foi um dos principais teóricos que discutiu a respeito do funcionamento das burocracias.
Para ele, a burocracia moderna exige algumas características fundamentais, como:
1. Impessoalidade: poderes derivam de cargos, e cargos são considerados como tal, não como pertencentes à pessoa que o ocupam.
Eles seguem regras, hierarquias, normas, não podendo servir para favorecimento de algum ocupante dele.
2. Concentração dos meios da administração: significa que a administração deve se organizar conforme princípios racionais de divisão de trabalho, com regras e funcionamento formalizados e previsíveis, além de transparentes.
Uma burocracia se torna, dessa maneira, disfuncional, quando seu funcionamento é alterado, por exemplo, pela vontade unilateral de um de seus agentes. Ou quando seus regulamentos e normas deixam de ser cumpridos, de maneira que seu funcionamento perca sua regularidade.
3. Nivelamento entre as diferenças sociais e econômicas: isso quer dizer que, conforme uma divisão racional do trabalho e princípios de racionalidade, uma burocracia funcional deverá ser indiferente quanto a fatores de origem social ou poder econômico de qualquer pessoa atendida por seu aparato.
4. Execução de um sistema adequado de autoridade: todo cargo, dentro de uma burocracia funcional, precisa obedecer a algum tipo de autoridade, tendo seu poder de atribuição contrabalanceado por outro.
Precisa também prestar contas, podendo ser afastado de acordo com determinados critérios, entre outros aspectos.
Dessa forma, nenhuma peça de um corpo burocrático deverá ter poder absoluto sobre outros ou mesmo sobre atribuições do seu cargo.
Para Weber, a burocracia é uma consequência necessária
Weber via o desenvolvimento da burocracia como um fator inerente à modernização das sociedades.
Portanto, um produto do desenvolvimento técnico, econômico e social, do qual decorrem necessidades inerentes a uma complexificação das relações sociais.
Para Max Weber, uma burocratização é um efeito necessário do nosso progressivo afastamento das formas tradicionais de organização social, como das antigas tribos, clãs, famílias, etc.
Assim como, um recuo das formas carismáticas, por exemplo, em torno de supostos líderes de seitas, movimentos não organizados, etc.
Desse modo, estaríamos indo em direção às formas racionais de organização social organizadas em critérios técnicos e especializados, como:
- Organização e divisão social do trabalho;
- Relações impessoais e não personificadas;
- Nivelamento relacionado a uma anulação de arbítrio e privilégios segundo poder econômico ou capital social;
- Hierarquias;
- Descolamento do funcionário como suposto propriedade do cargo de administração que ocupa, dentre outras características.
Conclusão
A despeito de muitos mitos ou de uma associação da burocracia com algo intrinsecamente ruim, buscamos explicar aqui que as sociedades modernas se organizam com elas.
Mas não somente as modernas.
Organizações complexas, com funções divididas e hierarquias sistemáticas, por exemplo, existem desde a antiguidade.
Porém, uma burocracia pensada segundo critérios impessoais e racionais é, ao menos no seu ideal, uma marca indelével do mundo que conhecemos.
Conhecimento é poder
É importante conhecer os significados das burocracias, seus limites e benefícios.
Dessa forma, conseguimos entender e até exigir posturas mais éticas dos grupos, lugares de trabalho ou das unidades políticas (município, estado, país, instâncias internacionais) que fazemos parte.
Quando a esmola é demais…
Em tempos de eleições, é importante compreendermos isso tudo para evitar e rechaçar algum vereador que prometa algo que não poderá cumprir.
Saberemos de antemão que a “promessa” seguirá toda uma tramitação. Deverá ser antes votada, além de sancionada pelo prefeito e caber, por fim, no orçamento.
Finalmente, dominando os pontos analisados aqui, construiremos uma visão mais crítica do que cada agente, público e privado, é capaz de fazer dentro das instâncias de divisão racional do trabalho do qual ele faz parte.
Entender isso é uma das coisas mais importantes para viver nas democracias.
Dica de leitura do Repositório Institucional da Fundação Getúlio Vargas: “A Burocracia Weberiana e a Administração Federal Brasileira“.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
WEBER, Max. Os Fundamentos da Organização Burocrática: uma Construção do Tipo Ideal. In: CAMPOS, Edmundo (organização e tradução). Sociologia da Burocracia. Rio de Janeiro: Zahar Editôres, 1966.
OLIVEIRA, Gercina Alves. A burocracia weberiana e a Administração Federal Brasileira. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro. 4 (2): 47-74, jul/dez. 1970.
Historiador de formação e comenta sempre sobre política.
Além disso, aprecia uma boa cerveja, rock e metal. É ainda mestre e doutor em História pela UFMG.
- Igor Rochahttps://dehumanas.com.br/author/igor-rocha/
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2 respostas
Aqui é a Camila da Silva, e quero parabenizar você pelo seu artigo escrito, muito bom vou acompanhar o seus artigos.
Olá, Camila!
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Equipe De humanas